opinião

Eu, tu e vossas excelências



Gosto de ter alguma intimidade com as pessoas. Intimidade? Talvez não seja esta a palavra certa. Quem sabe, proximidade? Não, proximidade tem, na origem, conotação física. Deixa intimidade mesmo, que encerra possibilidades mais amplas de definição de relacionamento afetivo. E não se trata apenas de contato físico, ainda que eu goste de abraçar e de beijar tantos quantos me sejam caros, independente do fato de serem mulheres ou homens. Abraço e beijo quem eu quero bem, como um irmão abraça e beija um irmão, como um pai e um filho abraçam e beijam um filho e um pai.

Estavam imaginando o quê? Que eu fosse confessar mudança de lado, adesão a causas, digamos, menos ortodoxas? Não, não é isso. Sinto-me confortável onde estou. Em verdade, a busca de uma palavra definidora da situação à qual quero me referir, quanto às nossas relações interpessoais, resulta de um estado de espírito que tomou conta de mim, nos últimos tempos. Explico-me: já não tenho saco para reuniões que, por falta de objetividade, se prolongam além do necessário; para discursos longos e de vazia retórica; para formalidades excessivas; para engrenagens protocolares que eliminam a espontaneidade das nossas vidas. E nesse conjunto de coisas se inserem os tratamentos formais - fora dos ambientes e das circunstâncias em que estes se justifiquem -, que impedem as pessoas de se tratarem simplesmente por tu ou você.

Uma boa maneira de vencer a barreira das formalidades descabidas, da sacralização de hierarquias senhoriais alimentadoras de tolas vaidades, as quais, no fundo, não passam de falacioso exercício de autoridade, do apego desmesurado às liturgias protocolares, é se usar - quando as pessoas os têm, óbvio - apelidos (desde que estes não sejam pejorativos ou discriminatórios). Eu, por exemplo, gosto de ser chamado de Candinho e não me sinto diminuído em nada quando assim me tratam. Ao contrário, quando assim sou chamado, sinto as pessoas menos distantes e mais íntimas de mim.

Antigamente, eu me babava de inveja ao assistir, nos filmes norte-americanos, genros e noras tratando os sogros simplesmente como fulano e beltrana. Nós, com nossos cacoetes bacharelescos, com nosso vezo hipócrita, éramos incapazes de fazê-lo: era senhora dona fulana pra lá, senhor "seu" beltrano pra cá. Ainda agora não me imagino chamando minha ex-sogra, que é uma amiga querida, de Elcy. Com a segunda, houve avanço, era apenas Dionéa. Hoje, minha nora e meus genros chamam-me simplesmente de "véio" ou de Candinho. E gosto disso.

Penso que não se precisa "dobrar a língua" para demonstrar respeito ou para sermos respeitados. A propósito, eu e meus irmãos nunca chamamos nossos pais de senhora ou de senhor. Nem por isso deixamos de respeitá-los e de amá-los com a máxima força dos nossos corações ou fomos menos amados por eles.

Ah, este texto, escrito há mais de dez anos (fiz pequenos ajustes), foi lembrado porque retornei ao trabalho e, outra vez, me vejo enredado no estranho emaranhado do juridiquês e nos salamaleques formais e retóricos da vida forense. Por isso, com a vênia de Vossas Excelências, esta opinião sobre o tema antes que eu me aposente e me catapulte de vez às delícias da vida sem formalidades e à doçura única de ser avô.

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